top of page

"Ventilador para Léo Martinelli" + "Apagão para monge acrobata", dois poemas de

Dois poemas de Aníbal Cristobo, da série inédita em livro "Brazilian grooves", em homenagem ao poeta Leonardo Martinelli.

O primeiro poema é de 2007, quando Leo ainda estava vivo, e o segundo é de 2009, in memoriam.

A foto é de Rafael Viegas.

Ventilador para Léo Martinelli

Mas que fique claro que

te dou este presente apenas

para que você aguente outro verão no Rio

de Janeiro, quer dizer,

nem pense em usá-lo para andar

perseguindo os dedos de ninguém, melhor

será guardá-lo numa dessas garagens onde

se empilham colchões e seus cadernos e algum

amplificador e certamente

você mesmo: além disso, imagino

que como todos os músicos que dormem

até tarde, você sinta

calor, e como todos os

poetas que leem Wallace

Stevens, calor, e como

todos os professores universitários que tramam

enredos com suas alunas, calor. Eu o comprei

de pé — o ventilador, e eu

também —, porque além disso — considerando o generoso

da escassez de sua

estatura — pensei

que poderia te fazer companhia; ser, se for

o caso, um espectador refrescante de teu sonho, ou ser

também

um pensativo ouvinte de suas resenhas ou de seus

novos

poemas, e inclusive, num momento

qualquer de fúria, ser seu

sparring, dependendo do caso, como

eu disse.-

***

Apagão para um monge acrobata

à memória de Leo

Me diga quem mandou você sair

sem chapéu, sem se lembrar

da melodia que vinha assobiando, com os sapatos

cheios de sabão, sobre a corda

bamba, com

seu sorriso triste, bem quando resolvem cortar

a luz? Quem mandou você ir

para baixo deste céu inundado de peixes, com a tormenta

elétrica distorcendo tudo, as

palavras, a comunicação com a torre

de controle, a batida do samba? Há um segundo

em que tudo para, se interrompem

as notícias das Seyferts mais distantes, a

mastigação das zebras na savana, a corrida

do jóquei de camisa laranja; e ainda outro segundo

em que os movimentos são retomados

exatamente no sentido inverso: ouvimos a voz da mulher

que diz

"...mmmaf... sssequências cervicais

do acrobata... mmmhuem..."

e

"... shhhhnnai? cervicais de um

ouriço, Nama

Shiva Om?" enquanto os anéis de fumaça

do seu cigarro

voltam aos seus pulmões. Desta vez

o efeito vai nos lançar para

longe daqui, Leo, para a paisagem tropical

da etiqueta

de uma garrafa de rum

justo no momento em que alguém

serve um copo, deixando os coqueiros

de cabeça pra baixo; ou, com o macacão sujo de consertar a nave, no meio do estádio de Wembley, verde fosforescente

no Playstation em que dois garotos

fingem que brigam para ser o Messi

na hora dos pênaltis decisivos: e o que

vamos fazer bem no meio disso, Leo? A verdade é que assim

vou acabar

podendo ouvir cada vez menos canções, ler

menos críticas, ter

menos medo de te ouvir rindo

ao dizer bobagens. Seguimos aí, mais

ou menos os dois, aproximadamente

você e eu, o que quer que isso signifique,

contra o fundo instável do poema.-

bottom of page